sábado, 30 de junho de 2012

Os três pilares da mudança de paradigma

Essa semana tive o prazer de apresentar e discutir no mestrado, com meu amigo doutorando Eduardo Chaves, um livro da psicóloga Maria José Esteves Vasconcelos, que se chama Pensamento Sistêmico: o Novo Paradigma da Ciência.O livro é fenomenal. Impressionou-me e abriu muito minha mente. Ele começa explicando os conceitos de paradigma (nossas regras para o mundo e como o enxergamos, baseados em nossas crenças e valores) e epistemologia (que é o processo de conhecer e de gerar conhecimento e, numa visão mais restrita, nossa visão do mundo, confundindo-se com o primeiro). Fala da história da ciência no que tange à geração de conhecimento, depois aborda os paradigmas da ciência tradicional e, por fim, fala dos novos paradigmas, finalizando o livro ao abordar os conceitos e as interligações entre a Teoria Geral dos Sistemas e da Cibernética.

Vamos para os exemplos práticos?

Um homem trafegava por uma via de mão dupla e, no sentido contrário, passou uma mulher noutro carro, com a janela aberta e gritando: "PORCOOOO!!!"

Automaticamente o homem retrucou: "VACAAAA!!!"

Mais alguns metros à frente ele atropelou um porco, que atravessava a estrada. 


Assim como este infeliz cresceu aprendendo que ao ouvir um xingamento deve-se retrucar à altura, nós também fomos em nossas infâncias cercados de certos, errados, bonitinhos, maus, perigosos etc. Recentemente ouvi em uma palestra que o ser humano hoje tende a romper com as autoridades externas - pais, professores, chefes, religião, opiniões. Com isso, a humanidade passa hoje por uma busca interior e um processo de autoafirmação mais intenso. Entretanto, crescemos aprendendo sobre o modo de pensar dos outros. O que é bom, ruim, feio ou bonitinho para nossos pais, professoras etc., será para nós o resto de nossas vidas. Assim, além de perdermos as referências externas, descobrimos que não nos conhecemos como deveríamos, e começamos a perceber o tamanho e a complexidade da "busca pelo eu". 

As ciências não fogem disso - afinal, estamos falando sobre pessoas all the time. Trazemos de 400 anos "um jeito" cartesiano (ou newtoniano) de pensar. E esse jeito é fundamentado em três pilares:



1- Simplicidade


Sempre tentamos simplificar as coisas em "blocos menores", uma coisa por vez. As relações entre as coisas são causais e lineares: se X causa Y e Y causa Z, então X causa Z. Quando a gente esbarra com um problema "daqueles", chegamos até a pensar se não erramos em algum desses bloquinhos, pois "chegamos num beco sem saída". Esse beco sem saída tem nome, e se chama complexidade.

O novo paradigma da ciência, o pensamento sistêmico, traz a complexidade como o substituto da simplificação das coisas. É impossível achar que dá para simplificar tudo. Aliás, a complexidade sempre existiu, mas percebê-la e admiti-la é a novidade. Até então, nossa postura, ou melhor, nosso paradigma é achar que "bom, isso aqui não é da minha área, que é a de ciências humanas - vamos deixar para os engenheiros, ou para os economistas". O que chamamos de equipes multidisciplinares muitas vezes não passa de um aglomerado de especialistas que não agem entre si como um organismo maior.

Eu vejo a geração Y como um ótimo exemplo do que é saber lidar com a complexidade. Eles lidam com a complexidade do fazer diversas coisas ao mesmo tempo, com o entender a lógica de softwares através de uma intuição absurda (para nós!), e assim por diante.

Enfim, a simplicidade obscurece muitos objetos que poderíamos estudar com mais profundidade em nossas vidas.


2- Estabilidade
O mundo, parafraseando nossos amigos cariocas, "já é". E essa ideia tem seguido a ciência tradicional, de que muitas coisas se repetem com previsibilidade e muitas vezes. Procura-se a repetibilidade para estabelecer-se controle. Para "levar-se isso ao laboratório".
Entretanto, o mundo está em constante processo de "tornar-se". Fenômenos podem ser imprevisíveis, irreversíveis e incontroláveis, e a abordagem para analisá-los deve mudar. Novo paradigma da instabilidade.


3- Objetividade
Não escrevi o título "Os três pilares da mudança de paradigma" à toa. Fiz isso pelo mesmo motivo que as revistas das bocas de caixa de supermercado nos atraem como ímãs ("Perca 7 kilos em duas semanas"). Números sempre nos atraem, sempre dão a impressão de que o assunto é cientificamente comprovado (esse aqui é, viu?). E se você, ao final das duas semanas, não perdeu os 7 kilos, bom, a culpa é sua, não da revista. Pois é cientificamente comprovado.
Isso data dos idos de Renée Descartes, de Sir. Isaac Newton, de Galileo. A cientificidade da física brada pelos quatro cantos do mundo como sendo suprema, por ser exata. Por isso, o que não é provado por números, é subjetivo, complicado e, enfim, deixa para os sociólogos, psicólogos, filósofos. Mais ainda, devem-se observar os fenômenos de fora deles, para um maior entendimento, separando o objetivo do ilusório, "colocando o subjetivo entre parênteses".
O novo paradigma aqui é a intersubjetividade. Fato é que não existe uma realidade independente de um observador. Assim, a objetividade deve ser posta entre parênteses, e múltiplas versões da realidade devem ser admitidas. A interpretação de um fenômeno vai, obrigatoriamente, carregar traços das crenças e valores do observador, pois eles entremeiam a maneira como ele os decodifica.
Simplicidade, estabilidade e objetividade são construtos amigos das exatas, meio amigos das biológicas e inimigos das humanas. Com o novo paradigma, complexidade, instabilidade e intersubjetividade são inimigos das exatas e das biológicas, e amigos das humanas.
Então é isso: complexidade, instabilidade e intersubjetividade. Esses são os três pilares do novo paradigma da ciência, que é o pensamento sistêmico.
Bela proposta.
E no final das contas, se você quer saber quais são as fronteiras de seus paradigmas, experimente se perguntar:

"O que eu acho impossível fazer hoje mas, caso fosse possível fazê-lo, mudaria minha vida?"

Quando fiz essa apresentação, um coordenador de cursos de uma faculdade em Ribeirão me disse: "Mas é impossível você não separar as coisas em pedaços menores para analisá-las uma a uma!". Prontamente eu voltei ao slide com a pergunta acima, e ele concordou comigo apenas sorrindo.
Paradigmas...
Em tempo: em nenhum momento a autora - muito menos eu - quer desmerecer o paradigma tradicional da ciência. Foi ele que nos fez chegar até aqui.
Mas mudar faz parte da gente. E a mudança está acontecendo.

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